O Grande Dia da Viagem

Cega e desamparada pela companhia aérea

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Esta é uma foto que eu tentei tirar de mim na sala de embarque do Aeroporto de Guarulhos.

Como havia mencionado no post anterior, o treinamento foi tão puxado que não dei conta de fazer o diário em tempo real. E, ao chegar ao Brasil, eu estava tão cansada e com tantas coisas para resolver que não tive tempo de postar. Então, vamos ao meu diário de bordo, a posteriori:

9 de abril, uma segunda-feira: antes de iniciar o treinamento em Nova York, eu ia para a Flórida, ficar na casa da minha amiga Priscilla. 

O vôo sairia de Curitiba às 18:30. Mesmo morando a vinte minutos do aeroporto e eu tendo prioridade de atendimento, nos programamos para chegar duas horas antes no aeroporto, a fim de que imprevistos não atrapalhassem minha viagem. Até porque, o ex-presidente Lula havia acabado de chegar a cidade, e tínhamos receio de manifestações e bloqueios. Assim, saímos de casa às 16:00, chegando ao aeroporto em vinte minutos, minha mãe, minha irmã e meu cunhado.

Até que o  aeroporto estava vazio. Eu voaria com a Delta, e a conexão seria com a Gol. Fizemos o check in e despachamos as malas, as quais eu só teria que pegar em Orlando. Havia uma mala de verão, quase vazia, para a Flórida, e uma de inverno, bem cheia, para o frio de Nova York. Ufa! O peso estava dentro do limite permitido sem ter que pagar taxas.

Como havia tempo, sentamos em um café para meu cunhado tomar um café e todos ficarmos os últimos momentos juntos. Chegando a hora do embarque, eu estava só, com minha bengala. Pela primeira vez na vida, eu estava me sentindo sensível para viajar sozinha.

Meu vôo chegaria 19:30 a Guarulhos, e o vôo pra Orlando estava marcado para 21:50. O céu ajudou, e chegamos pontualmente ao aeroporto internacional de São Paulo.

Em todas as outras viagens que fizera, eu ficava na sala da TAM. Desta vez, a Gol me deixou aos cuidados da Delta, que me deixou por minha conta na sala de embarque, que é uma imensidão assustadora para uma cega sozinha. Apesar de a agência de turismo ter solicitado assistência para mim, não tinha nenhum funcionário para me conduzir ao banheiro ou pegar água, já que a garrafa que eu trazia havia sido jogada fora na revista da bagagem de mão. O vôo estava atrasado. E, quando eu tentava me informar no balcão, a atendente da Delta era grossa e ordenava que eu me mantivesse sentada, a fim de que eles pudessem me encontrar – detalhe que eu estava a dois passos do balcão.

Embarcamos, e eu pensava como eu era sortuda: eu dormiria no Brasil e acordaria nos Estados Unidos para férias merecidas e para buscar meu tão esperado cão guia.

Logo, um comissário muito simpático disse que estaria a minha disposição para o que eu precisasse. Mas não vi sinal dele durante todo o vôo. Quando eu chamava os atendentes para me conduzirem até o banheiro, demoravam pra vir ou nem vinham, o que é complicado, porque é difícil segurar as necessidades fisiológicas.

Eu chamara um atendente para ir ao banheiro antes mesmo do café da manhã. Como ninguém havia chegado, e o café havia sido servido, achei melhor comer para depois ir ao banheiro.  Fiz meu desjejum, chamei novamente um atendente, e, novamente, não fui atendida. Como estava apurada, fui sozinha ao banheiro e pedi que o passageiro sentado a meu lado me ajudasse. Ele foi me orientando verbalmente, e fui me guiando pelas poltronas, incomodando os passageiros, ao tocar, sem querer, neles. Ao retornar do banheiro, pensei que o tal passageiro me ajudaria, contudo,  um outro tentou me ajudar e, apesar de eu dizer que estava na primeira fileira, ele não a encontrava. Até que falei alto o nome do passageiro sentado ao meu lado, ele respondeu, e percebi que o outro passageiro estava me levando à primeira classe. Tudo isso com o avião em procedimento de aterrissagem, e eu tentando me equilibrar para não cair. 

Apesar do atraso na decolagem, chegamos a Orlando antes das seis da manhã. Só aí que encontrei o comissário simpático do início do vôo, que me disse que esperaríamos a imigração abrir para desembarcar.

Tudo bem na imigração. Ao contrário da última viagem, não me pediram para tirar os óculos para tirar foto. O rapaz que me conduziu em solo era funcionário do aeroporto e ficou comigo até alguém ir me buscar. Minha amiga Priscila tinha outro compromisso e não me buscaria no aeroporto. Ela mandou a guia que me acompanharia nos parques para me buscar, que acabou chegando atrasada. Nada demais. Só um friozinho na barriga de uma cega, sem celular habilitado para o exterior, chegando sozinha em um país estranho. Mas eu havia chegado a Orlando, a terra da magia. Será?…

Danieli Haloten

Segundo dia de treinamento

Aqui em Long Island está um frio de Curitiba, por volta de 6 graus.

Hoje pela manhã, fizemos caminhadas com os instrutores para que eles pudessem ter certeza de que os cães escolhidos foram os certos.

Às 11:15, ficamos sabendo os nomes dos nossos cães, a raça e o sexo. 

A minha é uma labradora fêmea preta, e o nome, não costumo falar, por orientação dos instrutores.

Mas o grande momento que todos esperavámos só veio depois do almoço, quando os instrutores trouxeram os cães para o quarto de cada um (ficamos em quartos individuais).

O problema é que estou no segundo dia de treinamento e estou vendo que não sei se conseguirei continuar fazendo o diário, porque é tudo muito corrido aqui. Não consigo nem responder minha família no whats app.

Então, não fiquem chateados, se eu fizer post a posteriori.

 

Danieli Haloten

Como Conseguir um Cão Guia

Não é fácil conseguir um cão guia

Conseguir um cão guia no Brasil é um processo difícil, porque as escolas que têm por aqui não conseguem atender à demanda, e as melhores escolas estrangeiras não estão mais aceitando estudantes de fora, inclusive, a escola onde eu treinei meus cães guia, a Guide Dog Foundation For the Blind, em Nova York.

Mesmo para mim, que sou uma estudante antiga, o processo para obter um novo cão guia na Guide dog Foundation é bastante burocrático. Eu tinha até medo de que eles não aceitassem mais minha inscrição. Inscrevi-me na escola para um novo guia em setembro do ano passado, quando Trini ficou doente, e  o veterinário declarou que ela não poderia mais guiar, mesmo que sobrevivesse ao câncer no baço – não sobreviveu.

Tive que me submeter a todo o processo, como se eu não tivesse treinado três cães na escola. Preenchi vários formulários, enviei formulários médicos, gravei vídeos fazendo minhas atividades diárias. Fiz tudo em um prazo de uma semana, mas a resposta se eu havia ou não sido aceita pela escola não vinha, e eu já estava me desesperando.

Depois de todo esse processo, eu sabia que eles ainda telefonariam para fazer uma entrevista comigo, para daí então começar a procurar um cão para mim. A entrevista, porém, nunca acontecia. Até que eles me informaram que um instrutor brasileiro faria a entrevista. Mas eu não estava conseguindo entrar em contato com ele. Até que um dia, ele entrou em contato comigo, marcou a entrevista e acabou com meu sofrimento.

Na entrevista, o instrutor perguntava sobre meu cotidiano, trajetos, meios de transporte e, principalmente, anotava quais distrações meu cão guia enfrentaria com maior frequência, tais como cães de rua, pessoas. Tudo a fim de que a escola possa entender meu estilo de vida atual com o objetivo de escolher um cão mais adequado às minhas necessidades. Pois não adianta me mandarem um cão que não goste de andar de ônibus, se me utilizo de tal transporte, certo?

Perto do Natal, eles me informaram que fui aceita no treinamento e queriam que eu fosse treinar em janeiro. Fiquei com receio, pois faz muito frio em Nova York nessa época, até neva. Porém, a urgência de ter um cão guia era maior do que qualquer dificuldade, e aceitei o desafio.

No dia seguinte, contudo,  ligaram-me afirmando que reviram minha situação, e, por eu vir do estrangeiro, acharam por bem adiar meu treinamento para abril. Disseram que seria muito frio para mim, muito corrido para eu providenciar a viagem e que, como a Latam, apesar de proibido por lei, exigia focinheira em vôos internacionais, eles precisariam de tempo para que meu cão se acostumasse com a ilegal focinheira.

Argumentei que eu não me importava com o frio, que eu providenciaria a viagem a tempo e que não viajaria com a Latam. Entretanto, foi inútil, a escola já havia tomado a decisão, e meu treinamento começaria em 16 de abril. Com isso, somam-se 8 meses entre a inscrição e o treinamento, que terminará em maio.

Do ponto de vista financeiro e prático, sei que foi melhor. Porque, em abril, eu paguei menos que a metade do que eu pagaria pela passagem em janeiro. E eu sabia que treinar na neve seria penoso para mim.

A espera foi e ainda está sendo difícil. Mas está chegando. E vocês poderão acompanhar tudo aqui pelo blog.

Como é ter um cão guia

Ter um cão guia é a melhor coisa do mundo pra mim

Dani entrando na formatura
Tyra, meu primeiro cão guia, e eu entrando na minha formatura de jornalismo.

Como pretendo fazer um diário do treinamento com um cão guia, achei por bem falar um pouco sobre como é ter um cão guia.

Ter um cão guia é a melhor coisa do mundo para mim. Hoje, não imagino minha vida sem um. O cão guia serve, basicamente, para nos desviar de obstáculos e encontrar coisas que ele aprende no treinamento, como escada, cadeira, porta. Ele também sabe comandos de direção. Com esses comandos básicos, o cachorro nos leva ao trabalho, ao banheiro, e claro, ao petshop. Nós vamos dando as direções para ele, e chegando ao destino, damos um nome para o alvo, e, a partir da repetição, ele aprende o caminho e destino do nome que damos ao local.

Desobediência Inteligente

Isso é muito legal! O cão guia aprende a desobedecer uma ordem para nos proteger. Isso ocorre, quando o mandamos atravessar a rua e aparece um carro, ou quando mandamos seguir em frente e tem um obstáculo. Meus cães já me salvaram muitas vezes por causa disso.

Amor de cão

O cão guia é meus olhos. Preciso dele sim. Mas, talvez, a relação afetiva que temos seja mais importante do que qualquer função que ele venha a desempenhar.

Sem meu cão guia, sinto-me cega, desamparada e muito triste.

Meu cão guia é minha razão de viver. É o amor da minha vida. É como se tivéssemos uma ligação simbiótica, onde um não conseguisse viver sem o outro.

Vocês podem obter mais detalhes sobre o trabalho do cão guia no livro “Bravas Viajantes”.

E, no próximo dia 16, acompanhem o diário do treinamento com meu novo cão guia.

Trini Hig
Meus segundo e terceiro cães guia, Higgans e Trini.

Como uma pessoa cega cria um blog

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Um Macbook aberto na página da criação do blog com minhas mãos no teclado.

Como vou treinar um novo cão guia nos Estados Unidos, pensei em fazer um diário do treinamento. Aí, pensei no blog “Mundo às escuras”. Mas como eu iria montar um blog? Não tinha a mínima idéia.  O profissional que fez meu site iria me cobrar cerca de dois mil Reais para transformar meu site em um blog, inviável para mim. Ainda mais agora, que estou desfalcada, por causa da viagem aos Estados Unidos.

Então, comecei a pesquisar ferramentas para construir um blog de forma gratuita e encontrei o WordPress. Aqui, vale explicar como deficientes visuais usam o computador:

Utilizamos leitores de tela, que verbalizam o que está na tela do computador, à medida que vamos navegando com as setas ou com o tab. O leitor que uso para o Windows é o Jaws. Já a Apple conta com leitor já integrado, no caso, o Voice Over, que é o que utilizo em casa no Macbook. Não usamos o mouse, fazemos tudo pelo teclado. Teoricamente, conseguimos fazer tudo no computador, com exceção de imagens. Os leitores de tela não conseguem ler textos dentro de imagens. E, como, normalmente, os sites são bastante poluídos com inúmeros links, demoramos um pouco mais para chegar aonde queremos chegar na página da web.

Tentei iniciar meu blog sozinha, entretanto, só estava conseguindo fazer pela versão paga do WordPress. Então, liguei para meu cunhado, que é engenheiro civil, para ele me ajudar a criar o blog:

— Sei que você não entende nada do assunto, mas você topa tentar?

Como Alexandre tem muita boa vontade, ele topou. Veio aqui em casa, e lá vão os dois leigos produzir o blog. Ele em seu computador montando, e eu no meu, vendo como ficava o resultado.

Começamos com o nome do blog Danihaloten, o que a ferramenta permitiu criar gratuitamente. Alexandre foi embora, e, de um dia para outro, me veio um clique: Mundo às escuras. E, no dia seguinte, pedi para ele mudar o endereço e nome do blog. Aí, fomos criando os links principais, eu fui escrevendo os textos, ele, publicando. Minha irmã Hilana foi escolhendo as fotos, eu fui ditando as legendas, e Alexandre, executando. E o blog foi tomando forma.

Com o texto do primeiro post já escrito por mim  no editor do macbook, Alexandre e eu descobrimos juntos como publicar o primeiro post. Com treino, acho que conseguirei publicar os textos sozinha. No entanto, as fotos, ficará complicado, porque não é cem por cento acessível para deficientes visuais. Assim, vocês terão os textos garantidos. Já as fotos, dependerão de meu cunhado ou minha irmã postarem pra mim.

Espero que nosso esforço valha a pena. Porque, obviamente, se o blog não gerar interesse, não darei continuidade a ele. Pois não vale a pena mantê-lo apenas para amigos que, provavelmente, já tem familiaridade com o conteúdo.

Mas, partindo da premissa de que muitas pessoas reclamam que não sabem lidar com deficientes porque não têm informação, o blog tem tudo pra bombar.

E fiquem ligados para o treinamento com meu cão guia, 16 de abril.